sábado, 12 de dezembro de 2009

Dia 8, sábado - 28/08/2009 - Partindo de Puerto Natales – Destino: Parque Nacional Torres del Paine/ Acampamento Paine Grande – Dia 1

Na noite passada o sono tardou a chegar, a ansiedade e o medo de não acordar no horário certo também não me deixava dormir, por fim consegui pegar no sono por causa do cansaço. A noite passou rápido e logo acordei assustado, não levei meu celular comigo na viagem e normalmente o uso como despertador. Beth havia me emprestado o despertador de sua filha e o motivo da preocupação era que o tal aparelhinho pudesse falhar... Tudo certo pela manhã, eram 6 horas e o horário combinado do transporte era às 8:00. Mais uma vez verifiquei tudo aquilo que levava na mochila, conferi se o peso estava bom e fechei.
No dia anterior no supermercado comprei três litros de leite longa vida, uma má decisão, além de outras que me cobrariam durante o trekking. Cheguei a abrir uma das garrafas, porém a tampa não vedava de forma adequada e coloquei então o leite (um litro), dentro do cantil de água, o mesmo leite que amanheceu estragado no dia seguinte cheirando mal.
Tomei um banho demorado, Sabia que sentiria falta dele por alguns dias, me sentia orgulhoso pelo roteiro que tinha feito até ali e embora me aproximasse ainda do final do primeiro terço da viagem, tudo corria bem conforme planejei.
Tomei café da manhã, Beth ainda não havia acordado e seu marido preparava também o café da manhã, às 7:40 saí da casa e fui até esquina, estava com muito medo de por algum motivo perder o transporte para Torres, quase 8:00 e nada da van, comecei a ficar preocupado e retornei à casa de Beth, encontrei seu marido e comentei que estava preocupado, mostrei a ele o ticket e ele reconheceu e disse para que esperasse que passariam para me pegar ali mesmo, achei então que a Beth já havia me dito isso antes, mas não entendi de forma apropriada. Esses dias entre Chile e Argentina me fizeram praticar bastante meu portunhol, a principio quando cheguei em Buenos Aires usava o inglês, mas logo percebi que não era necessário e depois seria uma boa oportunidade de aprender alguma coisa com nossos “hermanos”.
Às 8:15 eis que chega a tal van, me apressei para sair e a mochila entalou um pouco na porta da casa, me despedi, esperava voltar ao mesmo local em quatro dias para me recompor.
A mochila foi colocada no porta-malas traseiro da van e embarquei junto com duas garotas que já lá estavam. Percebi que não eram chilenas, depois de embarcar ouvi que elas falavam francês, mais tarde então elas disseram que eram suíças, duas amigas que viajavam juntas pela América latina, o próximo destino seria o Brasil, no Rio de Janeiro e Ilha do Mel.
Não quis conversar tanto, estava imaginando como seria o lugar, com meu mp3 ouvia musica enquanto olhava pela janela da van a paisagem que ia mudando conforme saiamos da cidade, ainda antes de pegarmos a estrada a van fez mais uma parada num outro hostel cujo nome não me recordo, dele saiu mais um aventureiro, um francês chamado Clement que também viajara sozinho pela América, ele diferentemente de mim fazia o caminho inverso vindo do norte em direção ao sul, patagônia e terra do fogo.
A van então seguiu na estrada para o parque, passamos perto da fronteira com a Argentina. O motorista falava bastante e nos contava historias e dava dicas sobre o parque, tanto Clement, quando eu e as duas suíças estávamos fazendo esse trekking pela primeira vez, mas dos quatro eu era o menos experiente e um pouco inconseqüente até, já que esse não é necessariamente o melhor destino para iniciar uma aventura inédita de trekking.
O parque é protegido pelo governo chileno, tanto a flora quanto os animais. No caminho avistamos muitos guanacos, animais que acabam servindo de alimento para o pumas que vivem aqui, na região patagônica existe uma grande concentração de pumas selvagens, motivo pelo qual encontramos uma van com duas pessoas no caminho, um deles carregava uma grande câmera, o motorista contou que eram jornalistas que estavam há um ano acompanhando a vida dos pumas para criação de um documentário, para tanto é preciso acompanhar seus hábitos desde o verão até o rigoroso inverno patagônico.

Os pumas têm hábitos noturnos e se alimentam de carne, normalmente saem para caçar a noite saindo das tocas quando ainda há luz para escolher suas vítimas, depois que a escuridão chega, eles atacam... Perguntando sobre históricos de ataques desses animais a seres humanos o motorista nos contou sobre um episódio recente (4 anos), dois pescadores nas proximidades do parque, um deles se distanciou para fazer suas necessidades quando percebeu um guanaco vindo em sua direção disparou a correr, não seria um problema se atrás do guanaco não estivesse vindo um puma que se viu diante de duas presas, uma delas o guanaco correndo aproximadamente 60km/h, outra o homem, por instinto o puma escolheu o homem e o matou. Depois disso caçadores tiveram que encontrar o puma e sacrificá-lo, a justificativa para isso? O animal poderia passar a partir daí a caçar seres humanos como uma presa mais fácil que o quadrúpede.
Acho que vale a pena falar mais um pouco sobre o puma, esse felino depende do elemento surpresa nas suas caças, sua velocidade de 50Km/h não seria suficiente para alcançar o guanaco num campo aberto, por isso sua caça é planejada.
Quanto aos guanacos, não menos inteligentes, estão normalmente em bando, sozinhos seriam uma preza fácil, dentre eles é eleito um membro, o guarda!, o guarda fica estático, sobre uma grande montanha sem se alimentar por semanas e preserva pela segurança do bando, ele observa se há movimentação do puma na região e avisa os demais em caso de perigos.
Como predadores, além do puma o parque abriga a maior ave, o condor, que costuma fazer vôos rasantes em busca de pequenas ovelhas em fazendas próximas ao parque. Os condores podem ter além 1 metro e 30 centímetros de altura, da pata até a cabeça e aqui são encontradas aves com até dois metros de envergadura.
Quanto às raposas, o parque tem dois exemplares, a cinza (grey fox) e a vermelha (red fox), animais de menor porte que normalmente caçam aves terrestres ou se alimentam da comida de aventureiros desavisados.
O motorista nos alertou a nunca deixarmos nossas mochilas em lugares baixos, e manter as botas sempre dentro das barracas, já que o cheiro atrai nossas amigas...
Ainda sobre os animais, as dicas e comentários podem até lembrar uma visita a um zoológico, mas o bacana de tudo isso seria ter a oportunidade de observar alguns animais totalmente selvagens, sem a abstração humana para transformá-los em atrações para crianças.
Saímos da estrada pavimentada e entramos numa estrada de terra que cruza para o parque e fizemos algumas paradas para mais fotos, o frio era cortante, mas o visual era impressionante...
O trajeto de Puerto Natales até o parque durou duas horas e meia, chegamos então na sede administrativa, limite para a van e onde iniciaria a caminhada. Há duas formas de se fazer o circuito W, uma delas é iniciando pela “Guarderia laguna verde” e caminhar para oeste tendo como final a sede administrativa, a outra escolhida era o oposto, caminhando de oeste para leste... decisão acertada de acordo também o motorista da van, já que o vento sopra de oeste para leste, favorecendo a caminhada.
Na portaria serrano, de onde iniciaria a caminhada conversei com as suíças e com Clement, eles tinham cinco dias para terminar o trekking, eu comentei que precisaria fazer em quatro, então iríamos juntos até o final do primeiro dia e depois seguiríamos caminhos diferentes.
O fato de ter agora mais três pessoas comigo era positivo, colocava um pouco mais de segurança à minha imprudência.
O guarda-parque, depois de passar as instruções sobre como proceder, não fazer fogueiras, não alimentar os animais e etc, comentou que em função do inverno somente uma hostelaria estaria aberta, seria a primeira, os demais dias teriam que ser passados com acampamento sem infra-estrutura. Uma das garotas ainda perguntou sobre o puma, ela parecia um pouco assustada com as histórias contadas pelo motorista da van, o guarda-parque, muito solícito, explicou o que deveríamos fazer em caso de um possível encontro com o animal, explicou que a principio o homem não é uma presa para o puma, mas como o animal tem instinto selvagem o melhor a se fazer seria realizar movimentos lentos, nunca correr, olhar sempre nos olhos do animal (se possível com óculos escuros que possam fazer reflexo), e caminhar, lentamente para trás, se afastando do bicho...
Depois do “briefing”, tivemos que assinar um termo de responsabilidade e então fomos liberados para iniciar o trekking.
Já eram quase onze da manhã, a temperatura estava mais amena, cerca de 4°C, ideal para este tipo de atividade. Iniciamos eu e Clement à frente e as garotas atrás, agora havia tempo suficiente para conversar e conhecer melhor todos os três, no primeiro dia a distancia a ser percorrida seria de 17,5Km, que na estimativa do mapa nos daria 5 horas, passando pelo acampamento “Las Carretas” e depois terminando no refúgio “Paine Grande”.
Os primeiros 30 minutos foram tranqüilos, nesse primeiro trecho de duas horas a dificuldade é considerada baixa, é uma grande planície rodeada pelo rio Grey, porém aquilo que comentei no início do relato de hoje começou a influenciar, os 22kg da mochila do início da caminhada eram aumentados a cada km que caminhávamos, eu havia testado antes, mas creio que subestimei o peso ou superestimei minha força... o fato era que estava me sentindo exausto com todo aquele peso nas costas, mas de outra forma também não podia parar o tempo todo para não perder a companhia dos outros três... Fizemos a primeira parada com uma hora para descansar, nesse momento as suíças nos passaram e fizeram a parada um pouco mais adiante, senti um alívio nas costas no momento que retirei a mochila, o frio inicial sentido no início da caminhada tinha dado lugar a um calor quase insuportável, vestido com toca, luvas e cachecol já e sentia a camisa bem molhada de suor, depois de me hidratar e retirar o excesso de roupa. Continuamos a caminhada, o bastão que carregava comigo ajudava a dar sustentação e evitava que me curvasse tanto para frente a ponto de prejudicar a minha coluna.
Algo que sei é que se poderia apontar a principal dificuldade enfrentada neste dia resultante da pouca experiência, essa seria sem sombra de dúvidas a escolha do que levar na mochila... Mesmo tendo lido vários artigos sobre esse tópico na internet, na hora de preparar tudo fiquei com receio de não ter suprimentos suficientes ou mesmo ter que comprar em alguma hostelaria a um preço exorbitante.
Antes da viagem tive que comprar todo equipamento de trekking e roupas de inverno, a mochila foi comprada numa outra viagem que fiz a Foz do Iguaçu, já havia usado antes quando estive em Bariloche na Argentina, porém nunca como um item ativo de trekking e sim com uma finalidade unicamente cargueira.
Naquele momento, enquanto caminhava, pagaria qualquer preço por outra mochila que tivesse um ajuste mais correto ao corpo.
Essa dificuldade me privou de curtir mais o visual que tive no percurso, durante o caminho além do rio Grey nos acompanhava à esquerda, avistamos no descampado também alguns cavalos selvagens, alguns vivos, outros mortos, imagino que vitimas de algum puma...
A parada mais demorada, para um suposto “almoço” foi no acampamento “Las Carretas”, até aqui o mapa indicava duas horas desde onde iniciamos, meu cronômetro indicava que gastamos 2 horas e 12 minutos. Não cozinhamos nada, eu tinha algumas bolachas e chocolate, além de uma maça que me serviram de almoço, Clement preparou um sanduíche com queijo, salame e alguns pedaços de tomate que ali mesmo cortou. Nesse momento senti vontade de desistir, senti que não estava preparado para aquilo e temia piorar a situação caso avançasse a um ponto onde não houvesse nenhuma forma de me comunicar com algum guarda-parque... Pensei por alguns minutos e numa decisão novamente um pouco irracional, decidi continuar.
Havíamos avançado 7,5 Km até então, num percurso com grau de dificuldade baixa, a partir Dalí seriam mais 10 km em grau de dificuldade média devido a subidas e pedras.
O percurso era lindo, às vezes me sentia pequeno vendo toda aquela imensidão selvagem, às vezes me sentia forte por estar ali, por ter tomado aquela decisão de continuar.
Conforme avançava ia ficando pra trás, já que não conseguia acompanhar o ritmo dos três, ou fazia muitas paradas para descansar as costas, enquanto parava tirava algumas fotos do lugar.
Entre Las Carretas e Paine Grande, o destino, havia outra parada, o Mirante Pehoé, de onde se tinha vista para as torres à frente e o lago Pehoe à direita, uma das vistas mais bonitas que tive em minha vida, assim como o luar no caminho de volta dos Andes, numa viagem anterior à Bariloche.
O Mirante indicava 3 km para Paine Grande, indicava que meu descanso estava perto, uma sensação de alívio com um belo plano de fundo. Aqui nos juntamos novamente e com a motivação de ver as torres junto ao lago ganhei vigor para terminar o dia.
Já eram quase cinco da tarde e a luz começa a desaparecer, deste ponto em diante segui a frente do grupo e senti na pele o significado da palavra superação, o movimento das pernas era mecânico e constante enquanto os braços, já não mais com a função de levar o bastão de caminhada e sim servir de apoio para reduzir o peso da mochila nas costas, a parte do corpo que mais reclamava até então.

O ultimo trecho do dia foi a passagem pela beira do lago Pehoé, uma pequena montanha de pedras, no momento que cruzava ventava bastante e senti medo de escorregar, já que também começava uma fina garoa que deixava o solo escorregadio, imagino que a conseqüência de uma queda naquele ponto seria terrível, pela altura do ponto que cruzava, pelas pedras, pelo lago gelado somado ao frio quase congelante, avistei um pequeno barco, me lembrei que também é possível, além das opções que citei no relato de ontem, fazer um passeio de barco no lago pehoé, uma boa pedida, pois do lago pehoé é possível, praticamente de qualquer ponto avistar as torres.
Depois de um trecho onde precisei caminhar quase que agachado para proteção contra o vento, iniciei a decida que me levaria ao destino final do dia, já enxergava o acampamento e me sentia vencedor, alguns minutos depois chegaram as suíças (que não recordo os nomes, embora elas tenham dito...), também bastante cansadas, Clement havia ficado mais tempo no mirante tirando fotos enquanto seguimos viagem.
Conversamos sobre onde faríamos o acampamento, essa era a única hostelaria com infra estrutura de todo o percurso que estaria a principio aberta, havia ali também a possibilidade de passar a noite em uma cama de verdade, porém o preço era bem caro, estavam cobrando $12.000 CLP por pessoa, o valor para acampar era de $4.000 CLP, lá fora no local reservado para camping havia apenas uma barraca, o vento aumentou bastante e a barraca estava praticamente destruída, nos olhamos e por alguns minutos sabíamos exatamente o que passava na cabeça de cada um, seria uma noite difícil. O responsável pela hostelaria, vendo a péssima condição do tempo nos fez uma proposta, $30.000 para nós quatro, para que pudéssemos passar a noite lá.
Conversamos e decidimos aceitar, mas ainda precisaríamos esperar por Clement, assim que Clement chegou explicamos a ele a proposta e ele também aceitou, ficamos aliviados de não ter que passar essa noite no camping.
O lugar tinha quartos coletivos com dois beliches cada, como estávamos na baixa temporada não havia muitas pessoas na hostelaria. Tudo que eu queria naquele momento era um banho quente, depois de nos aquecer na lareira decidimos a ordem dos banhos, na minha vez tentei seguir as recomendações e abrir bem pouco a válvula e esperar até que a água se aquecesse. Longa espera e nada de água quente, imagino que a temperatura da água não passava dos 20°C, enquanto a temperatura, mesmo dentro da hostelaria estava em torno de 5°C, foi um dos banhos mais difíceis que tomei, tentava levar o pensamento a outras coisas ou pensar que o frio era psicológico... besteira, depois do banho me vesti e voltei imediatamente para a lareira, havia lá agora um senhor que conversava com Clement, era um americano de 54 anos, que viajava sozinho, ele se intitulava “gringo”, dizia que gostava muito das caminhadas, conversamos um pouco sobre os lugares que ele havia visitado, disse que antes da América do sul estava na polinésia francesa, minha dúvida maior era sobre Alaska e então ele disse também que já esteve por lá, porém fazendo uma espécie de cruzeiro.
Deixei algumas roupas molhadas, além da toalha, perto da lareira e atravessei os dormitórios rumo a cozinha, estava faminto e precisava preparar algo para comer. A condição dos $30.000CLP era que usaríamos a cozinha, porém com nossos próprios utensílios, que desejasse também receber um jantar quente pagaria algo em torno de $20.000CLP, por pessoa.
Preparei uma macarronada com sardinha, molho de tomate e queijo ralado, um belo jantar que me rendeu dores nas costas em função do peso das latas de conserva, comigo carregava até azeitonas e azeite de oliva... Decidi também compartilhar meus suprimentos e deixar lá aquilo que imaginasse que não comeria e que pudesse contribuir para reduzir o peso da mochila.
De sobremesa ainda tinha uma lata de morangos em conserva, comi alguns e dei o restante para as amigas suíças.
Após o jantar, fui até a sala onde encontramos o dono da barraca que citei, eles (Clement, as suíças e o dono da barraca...) falavam sobre o roteiro para o próximo dia, como eu comentei no início do relato, meu plano era fazer o que fosse possível em quatro dias, enquanto Clement e as suíças tinham cinco dias para tanto, essa decisão deveria ser tomada neste momento, já que para aqueles que dispõe de mais três dias o ideal é seguir para o acampamento italiano, para quem dispõe de quatro dias é possível visitar o glaciar grey, porém são três horas e meia de ida e o mesmo de volta.
Eu preferi não opinar nesse momento, mas sabia que teria que excluir o trilha até o glaciar grey, pois não tinha tempo. Para mim o fato de ter conseguido terminar o primeiro dia já era bom o suficiente, não pensava em adicionar mais um nível de dificuldade ao trekking.
Ainda saber o que iriam decidir sobre o dia seguinte, fui dormir para acordar disposto no dia seguinte, combinamos somente de nos encontrar ás 8:00 na sala para sairmos, para onde? Quem sabe...


A esperança é que essa noite de sono me dê se não mais vitalidade, coragem para chegar ao dia quatro.

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