sábado, 26 de setembro de 2009

Dia 4, terça-feira - 24/08/2009 - Ushuaia – Problemas... Museu do fim do mundo, cães na neve e luau

Ao invés de 08h00min, acordei às 08h40min. Depois de todos os preparativos (banho, curativos nos dedos, etc.), fui tomar café da manhã, o mesmo da manhã anterior e em seguida saí em busca de um caixa eletrônico, tentar sacar algum dinheiro.
Foi um dia que começou mal, mas acabou bem. Depois de algumas tentativas percebi que meu cartão já havia sido bloqueado, um grande problema, pois o dinheiro já estava acabando. Contei novamente com a ajuda da Valéria no Brasil. Ela havia me emprestado um cartão de viagem (travel Money) que seria muito útil nesse momento. Depois de resolver esse percalço liguei pra casa enfim, minha mãe estava preocupada, falei alguns minutos com ela e depois com meu pai, era aniversário do meu velho...
As ligações me custaram $55,00 ARS, principalmente ligando para o banco. Depois disso fui até a agência de turismo consultar a passagem de ônibus para Puerto Natales (próximo destino), ainda sem decidir o que fazer, saí da agencia e fui pensar se ainda faria o passeio para o parque nacional, como teria mais um dia completo em Ushuaia e já estava tarde, eram 12h30min, decidi ficar na cidade e conhecer o presídio (antigo, atual museu do fim do mundo) e depois fazer o passeio com os cachorros...
Antes disso busquei algum lugar para almoçar, com restrição de dinheiro a prioridade era encontrar algum lugar que aceitasse cartão de crédito ou tivesse um valor baixo, almocei num pub, comi um x - tudo e tomei uma água mineral, saiu por $32,00, em seguida rumei para o museu do presídio, a entrada para países do Mercosul estava em $40,00, mas consegui um desconto de estudante e o preço caiu pra $30,00.
O museu está longe de ser a melhor atração de Ushuaia, mas vale à pena visitar. Algumas alas expõem fotografias e histórias da prisão, algumas celas têm bonecos em tamanho real simulando os condenados, algumas histórias são bem impressionantes, por exemplo, o caso dos prisioneiros que tentavam fugir e depois retornavam, pois não tinham opção, a falta de alimento e as barreiras naturais como o estreito de Magalhães e o frio cortante eram mais eficazes que qualquer sistema moderno de monitoramento de prisioneiros.
Presos considerados perigosos eram transferidos para cá e obrigados a trabalhar principalmente na construção civil, fato interessante é que a cidade de Ushuaia surgiu depois do presídio e em função dele.
Ushuaia é a cidade mais austral do planeta, o que a faz o principal ponto de acesso à antártica, pólo sul. Antes de partir de viagem cheguei a ler varias histórias sobre a exploração da antártica, melhor dizendo a conquista, já que é relativamente recente a primeira chegada do homem nesse território tão hostil (irá completar 100 anos em 2011). Lembro-me da triste historia dos exploradores ingleses da missão Discovery, na verdade muitos homens morreram na tentativa de chegar ao continente, sejam pelos mais diversos fins, claro que na maior parte dos casos, fins econômicos de seus governos.
O museu conta também a história desses homens, comandados pelo explorador Scott, lembro-me às vezes da carta deixada por ele após perceber que não teriam condição de voltar a ver sua família... Acho que vale a pena ler.

“Para minha viúva.
Minha muito querida,
Estamos em situação extremamente difícil e tenho dúvidas de que conseguiremos ultrapassá-la. Nos poucos momentos em que somos abençoados com um minguado calor, na hora do almoço, aproveito para escrever cartas que preparem a todos para um fim possível. A primeira carta naturalmente é para você, em quem meus pensamentos, acordado ou dormindo, principalmente se concentram. Se algo me acontecer, eu gostaria que soubesse o quanto você significou para mim e o quanto me confortam, neste momento de partida, as agradáveis lembranças de nossa vida em comum.
Gostaria que você também fosse por elas confortada e que tivesse certeza de que não sofrerei nenhuma dor, deixarei o mundo em plena atividade, com toda a saúde e vigor. Infelizmente já está estabelecido: quando as provisões acabarem, nós simplesmente ficaremos onde estivermos, a uma curta distância de algum outro posto.
Portanto você não deve imaginar uma grande tragédia. Nós estamos, e temos estado há semanas, muito ansiosos, naturalmente, porém em esplêndida condição física, e nosso apetite compensa todo desconforto. O frio é cortante e, às vezes, irritante – é quando uma refeição quente o afasta e é tão apreciada que sem ela dificilmente suportaríamos.
A situação piorou bastante desde que interrompi esta carta. Nosso Titus Oastes, infelizmente, não suportou; ele estava em péssimas condições. Nós, os demais, ainda continuamos e pensamos na possibilidade de uma chance de vencer. Contudo, o frio não cessa nem um pouco. Estamos a 20 milhas do posto, mas temos pouca comida e o combustível é escasso.
Bem, minha querida, quero que você enfrente tudo isto com muita sensatez, como, aliás, tenho certeza de que o fará. O menino será seu conforto. Eu tinha feito planos para ajudá-la a criá-lo, no entanto, sei que ele estará protegido com você e isso me conforta. Penso que tanto ele como você receberão cuidados do nosso país, razão pela qual, afinal de contas, sacrificamos nossas vidas. Que nossos esforços sirvam de exemplo. Deste ponto em diante, estou escrevendo as cartas na parte posterior deste livro. Por favor, envie-as para os vários destinatários.
Devo escrever uma cartinha para o menino, para que ele leia, se tiver oportunidade, quando se tornar adulto.
Minha muito amada, saiba que não alimento nenhum sentimento tolo quanto à possibilidade de vir a se casar novamente. Quando o homem certo chegar, para ajudá-la a viver, você deverá voltar a ser feliz.
Espero deixar uma boa lembrança e, por certo, este fim de nenhum modo lhe será causa de constrangimento. Ao contrário, penso que o menino só terá motivos para se orgulhar e em que se basear para constituir sua família.Querida, não é fácil escrever por causa do frio (70 graus negativos) e nada mais senão o abrigo de nossa barraca.
Você sabe que eu a amo, você sabe que meus pensamentos ficarão constantemente com você e, oh, minha querida, você deve saber que o pior desta situação é o pensamento de que nunca mais a verei. O inevitável deve ser encarado – você me incentivou a ser o líder deste grupo e sei que você previu que seria perigoso – eu cumpri minha tarefa, não foi?
Deus lhe abençoe, minha querida. Tentarei escrever mais, depois. Continuo a escrever nas páginas de trás. Desde a última vez que lhe escrevi, nos aproximamos 11 milhas de nosso posto. Tivemos apenas uma refeição quente e, por dois dias, refeição fria. Era para termos lá chegado, mas ficamos presos por quatro dias devido a uma terrível tempestade. Acho que perdemos nossa melhor chance. Decidimos não por fim às nossas vidas e lutar com a esperança de chegar àquele posto. Certamente, será sem dor, portanto não se aflija.
Escrevi cartas em páginas esparsas deste livro – será que você vai conseguir enviá-las? Estou ansioso por você e o futuro do menino. Faça-o interessar-se por História Natural, se você conseguir – é melhor do que jogos. Algumas escolas encorajam esse estudo. Sei que você o manterá, o máximo possível, ao ar livre. Tente fazê-lo acreditar em um Deus, é reconfortante.
Oh, minha querida, minha querida, que sonhos eu tive a respeito do futuro do menino, e ainda assim, minha garota, sei que você enfrentará estoicamente todas as dificuldades. Sua foto e a do menino serão encontradas em meu peito – e também aquela, no porta-retrato vermelho marroquino, oferecido por Lady Baxter. Na minha bolsa particular, há um pedaço da bandeira da Inglaterra – que hasteei no Pólo Sul – junto com a bandeira negra do Amundsen e outras lembrancinhas. Dê um pedaço da bandeira da Inglaterra ao Rei, e um pedacinho menor para a Rainha Alexandra, e o resto guarde como um humilde prêmio para você!
Quanta coisa, quanta, eu poderia lhe contar desta viagem. Quão melhor foi do que ficar perambulando no conforto do lar – que histórias você teria para contar ao menino, no entanto a que preço! Não mais verei seu rosto tão querido!
Querida, procure confortar a mamãe. Vou escrever umas poucas linhas para ela neste livro. Também fique em contato com Ettie e os outros. Oh, mantenha uma postura corajosa diante do mundo; não seja orgulhosa demais a ponto de não aceitar ajuda que favoreça o menino. Ele deve ter oportunidade de conseguir uma boa profissão e fazer algo neste mundo.
Não terei tempo para escrever a Sir Clements – diga-lhe que pensei muito nele e nunca me entristeço por ele ter-me posto no comando do Discovery.
“A última carta de Scott da Antártica”

...voltando ao relato da minha viagem.

Algumas alas do presídio estão reformadas e reformuladas, mas existe uma em especial que não possui nem mesmo sistema de calefação, então é um lugar bastante frio, consegui ficar por lá alguns minutos, o lugar não trás boas idéias.
Os castigos aos presos na maioria dos casos estavam relacionados ao frio, ferramenta abundante por aqui... Outros como ficar sem ver a luz do dia por um período longo deveriam ser atormentadores em um lugar tão deprimente.
Depois do presídio, quase 16h00min, precisava voltar ao hostel, pois às 18h00min passaria o transfer para o passeio com os cachorros na “Terra Maior”, no caminho passei numa padaria para comprar alguns suprimentos $14,00 ARS e rumei para o hostel, um banho rápido e às 17h45min já estava pronto aguardando. Junto comigo uma garota também aguardava na recepção, mas não perguntei se seria o mesmo passeio, chegando a van embarcamos e então e conversamos.
Seu nome Eugenia, uma argentina, engenheira química de Córdoba que mora e trabalha em Buenos Aires e está de férias por duas semanas, irá passar parte aqui em Ushuaia e parte em El Calafate, como ela também estava sozinha ficamos juntos até a volta depois do passeio.
Durante o percurso a paisagem das montanhas era magnífica, o motorista percebendo que todos tiravam fotos pelos vidros, estacionou a van por alguns minutos, foi bacana e estava bem frio do lado de fora, imagino que a temperatura era menor que -10°C. Voltamos para a van e mais quinze minutos até que chegamos à Terra Maior, onde aconteceria de fato o passeio, $240,00 ARS.
Havia algumas opções como fazer a ida de raquetes (acessório para caminhar no gelo plano), de moto-neve ou de cachorros e a volta com as mesmas opções. Eu havia escolhido a ida com as raquetes caminhando e a volta de trenó puxado pelos huskies siberianos, Eugênia escolheu o mesmo e partimos para calçar as raquetes. O local onde é feito o passeio é uma grande planície, o guia nos disse que era um glaciar muitos (milhares) anos atrás e que continua a perder massa, atualmente a planície de gelo perde 1 mm por ano de espessura, em função é claro de todo aquecimento global que vem sendo observado e quantificado em todo planeta e que está ainda mais evidente nos pólos...
Pudemos ver a agitação dos cachorros, eles ficam realmente ansiosos para puxar os trenós, eles tem uma afinidade incrível com o gelo, deitam e rolam com se estivesse na grama e são extremamente dóceis.
Com as raquetes nos pés rumamos para o local predeterminado, onde teríamos também o jantar, a caminhada foi divertida, o guia foi contando histórias sobre o lugar e é claro que não vou conseguir escrever tudo aqui... Algumas paradas para fotos e depois de algumas pequenas fogueiras pelo caminho, já adentrando um pequeno bosque havia uma cabana, mas sem o teto. Feita de madeiras e fibras conforme as versões indígenas da região, algo como sapé, mas mais fibras mais duras e resistentes, o céu estava extremamente estrelado e eu confesso nunca ter havido céu assim.
Dentro da cabana uma grande fogueira, tudo preparado para o luau. O clima era bom, de alegria e havia musica (violão) e descobri que mais da metade das pessoas que estavam no passeio eram brasileiros, a fogueira bem quente fervia o vinho que era servido e depois o jantar, que também fora preparado lá, um cozido de lentinha com carnes e bacon. Estava tudo muito bom e a sobremesa por fim, algumas lascas de maça com vinho. Antes de voltarmos ainda teve o café, também feito na fogueira.
Depois do jantar, a volta. Nosso grupo estava no primeiro dos trenós puxado por oito huskies, iam cinco pessoas e o guia. O trenó deslizava suave pelo gelo e os cães pareciam muito satisfeitos, todos os comandos eram feitos por voz e não havia castigos para os cães. Chegamos ao refugio em mais quinze minutos até voltarmos para a van, a noite estava realmente linda...
Na chegada ao hostel me despedi de Eugenia e fui para o meu quarto, havia um argentino que veio para Ushuaia em busca de trabalhão, mas ainda não sei o seu nome.
Algo que havia esquecido... Depois do almoço acabei comprando a passagem para Puerto Natales, $259,70 ARS, viajo na quarta-feira às 05h00min.

Agora são 00h18min, preciso ir pra cama.

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